sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A tristeza faz parte do processo da perda e da dor. 
A falta de brilho no olhar, dias que insistem em demorar para passar, a vida fica sem cor, sem som, sem cheiro.
Sobreviventes das perdas, daquilo que se foi, do que se rompeu.
A dor de estar só num mundo cheio de gente, a falta de um, um que representa tudo, que representa dois, e assim na falta de representação, passa a representar tudo o que falta. Paradoxos do luto.
A falta de sentido para certas dores, a falta de clareza para entender o processo da tristeza.
A reconstrução existe, acredite, mas a temporalidade do que se repara depende daquilo que se perdeu, do lugar que ocupava, do afeto que existia e do vínculo que era formado.
Calma, serenidade, paciência e elaboração, são ingredientes que ajudam no processo.
O processo que você vive é apenas seu. Por isso, aproprie-se da sua dor, autorize o que sente, viva a sua ausência, pois só assim, ela poderá se transformar e se reorganizar.
O até logo pode assim, transformar o nunca mais e o para sempre!

sábado, 6 de outubro de 2012

Disco o número escrito no recorte de papel, sinto-me um pouco nervosa, penso na dor da família e se será bom falar comigo, mas acho importante a possibilidade dos fechamentos. Eu não estava lá quando aconteceu, foi num domingo.
Do outro lado da linha, uma voz suave atende e de imediato reconhece a minha voz. Sinto que ela se emociona ao falar comigo, eu me emociono ao falar com ela. 
Ela me faz algumas perguntas: "Como faço para aprender a viver sozinha? Como faço para mexer nas coisas dele? Como faço para ocupar todo o espaço da cama?Como faço para aprender ser só eu?" Ela pede um roteiro, um mapa, um código para seguir em frente. 
Ser estrangeiro no mundo da dor, é algo realmente desorganizador. 
Fico em silêncio do outro lado da linha, escuto o choro, quase um gemido, é baixo, é frágil, é a dor do luto que grita frente a ausência de quem se ama. 
Eu falo pra ela: "A morte não leva o que está dentro, o que construíram, o que viveram ao longo dos felizes 38 anos de casamento. Mas a morte deixa dor, muita dor sim, e é isso que você tem agora, mas não é isso que vai ficar com você. Não é justo com a  história de vocês." 
De alguma maneira, essa fala, acalma o pesar dessa mulher, e assim, podemos conversar alguns minutos sobre os filhos, netos e a história dessa família. 
Recordamos juntas que durante o processo de adoecimento, ele falava sobre ser a referência e o norte de sua família, aquele que resolvia, que acalmava, que tinha solução e caminhos para tudo. Do quanto ele sentia pena de sentir que seu fim estava próximo, ele sentia muito por não poder mais acompanhar os netos nas tarefas de casa, algo que ele adorava fazer, ele sentia pena de ter que ir embora. 
Conversamos sobre o que foi, sobre o que se viveu, sobre o que aconteceu, mas conseguimos transformar e fechar a conversa, no que ainda vai ser, no que se espera acontecer, no que ainda pode-se viver.
Termino falando do prazer de conhecê-los e da honra de escutar e compartilhar os últimos dias de seu marido.
Desligo o telefone, fico sentada alguns minutos antes de atender o próximo paciente, e sinto saudades desse homem, das conversas que tivemos, de sua simplicidade e do amor que emanava de seus olhos ao encontro de sua esposa.
Lembro que o registro dos nossos encontros também está dentro de mim, que o que foi construído não será perdido, a morte não tem se poder.
Assim, reorganizada, abro a porta e chamo a próxima família.