terça-feira, 23 de julho de 2013


'Saiu inteira ele. Só os dedos do pé são meus', diz professora de Curitiba.
Ela precisou ir à Justiça para o procedimento; decisão foi inédita no país.



“Estou feliz, realizada. Estou completa”, afirma a professora Katia Lenerneier, de 41 anos, dois anos após o nascimento da filha Luíza Roberta, que foi gerada com o sêmen do marido morto. Katia tentava engravidar quando o marido descobriu que tinha um tipo agressivo de câncer de pele, em fevereiro de 2009. Juntos, decidiram guardar o sêmen em uma clínica, a -200°C. Pouco tempo depois, ele morreu aos 33 anos.
Como Katia não tinha a autorização escrita do falecido marido, precisou recorrer à Justiça para conseguir o direito ao procedimento. O caso, inédito no país, foi aprovado em maio de 2010 e, no mês de setembro, a professora engravidou. A menina nasceu em junho de 2011 com quase três quilos, emocionando a família e a equipe médica.
“Só alegria”. É assim que Katia descreve a vida depois de ser mãe. Para a professora, a decisão de engravidar com o sêmen do falecido marido foi um acerto. “Não tenho nenhum arrependimento ou sentimento de culpa por ela não ter o pai”. A professora conta com a ajuda da mãe para cuidar da menina.

A mulher optou em trabalhar meio período para ter mais tempo de ficar com a criança que começou a ir para a escolinha no início de 2013. Ela diz que a família do falecido marido tem contato direto com Luíza Roberta. “Minha sogra é bem presente”.

Alegria da vovó
“Era o que ele queria. Se estivesse vivo estaria muito contente”, afirma a dona de casa Maria de Lourdes Niels, que é avó de Luíza Roberta e mãe do falecido marido de Katia. A neta é motivo de felicidade para a dona de casa. “É uma alegria que não dá nem para falar. Ela é especial. É uma coisa que só Deus é que sabe”.
Maria de Lourdes lembra que ela e família apoiaram a decisão de Katia de fazer inseminação artificial com o sêmen no marido já morto. “Minha família deu grande apoio para ela. Sei que ela é uma boa mãe. Confiei muito na pessoa dela. Ela é uma pessoa muito boa”.

“Eu fico encarando as fotos dela [Luíza Roberta] para matar um pouco da saudade dele. As fotos dele eu não consigo ver porque dói muito. A morte é muito triste, ninguém aceita”, relata a dona de casa.

Novo rumo
“Às vezes, dá um aperto no coração por ele não estar curtindo, vivendo, vendo esses momentos bonitos. Isso pesa, mas é durante um minuto. No outro minuto já descontraio”, explica a professora. Depois da inseminação artificial, Katia ainda deixou o que sobrou do sêmen do marido e dois óvulos dela congelados. Porém, no fim de 2012, ela resolveu eliminar o sêmen e, agora, vai doar os óvulos. “Não me vejo mais grávida. É muito difícil não ter uma pessoa para te ajudar emocionalmente e financeiramente, não ter um companheiro”, avalia.

Ao observar a filha, a professora diz que a garota é bastante parecida com o pai. “Saiu inteira ele. Só os dedos do pé são meus”, brinca. Não apenas fisicamente, Katia também atribui a personalidade do marido à filha. “Ela é bravinha. Levanta a sobrancelha igualzinha a ele”.
Para a mulher, a criança trouxe um novo rumo à vida. “Acabou um ciclo e começou outro. Ela resgatou um pouco dele e, ao mesmo tempo, deu outro rumo para a vida”, finaliza Katia.

Fonte: G1.com.br/pr/parana
08/07/2013

 

quinta-feira, 18 de julho de 2013


A arte de cuidar dos enfermos
28/06/2013

Nos últimos anos tenho trabalhado de forma aprofundada a categoria do cuidado especialmente nos livros Saber Cuidar e O Cuidado Necessário (Vozes). O cuidado mais que uma técnica ou uma virtude entre outras, representa uma arte e um paradigma novo de relação para com a natureza e com as relações humanas, amoroso, diligente e participativo. Tenho tomado parte de muitos encontros e congressos de operadores da saúde com os quais pude dialogar e aprender, pois o cuidado é a ética natural desta atividade tão sagrada.

Retomo aqui algumas idéias referentes às  atitudes que devem estar presentes em quem cuida de enfermos seja em casa seja no hospital. Vejamos algumas delas entre outras.
Compaixão: é  a capacidade de colocar-se no lugar do outro e sentir com ele. Não dar-lhe a impressão que está só e entregue à sua própria dor.

Toque da carícia essencial: tocar o outro é devolver-lhe  a certeza de que pertence à nossa humanidade. O toque da carícia é uma manifestação de amor. Muitas vezes, a doença é um sinal de que  o paciente quer se comunicar, falar e ser ouvido. Quer identificar um sentido na doença. O enfermeiro ou a enfermeira ou médico e a médica podem ajudá-lo a se abrir e a falar. Testemunha uma enfermeira: “quando te toco, te cuido; quando te cuido te toco; se és um idoso te cuido quando estás cansado; te toco quando te abraço; te toco quando estás chorando; te cuido quando não estás mais podendo andar”.

Assistência judiciosa: O paciente precisa de ajuda e a enfermeira ou o enfermeiro deseja cuidar. A convergência destes dois movimentos  gera a reciprocidade e a superação do sentimento de uma relação desigual. A assistência deve ser judiciosa: tudo o que o paciente pode fazer, incentivá-lo a fazer  e assisti-lo somente quando já não o pode fazer por si mesmo.

Devolver-lhe  a confiança na vida: O que o paciente mais deseja é recuperar a saúde. Dai ser decisivo devolver-lhe a confiança na vida: em suas energias interiores, físicas, psíquicas e espirituais, pois elas atuam como verdadeiras medicinas. Incentivar gestos simbólicos, carregados de afeto. Não raro, os desenhos que a filhinha traz para o pai doente, suscita nele tanta energia e comoção que equivale a um coquetel de vitaminas.

Fazê-lo acolher a condição humana. Normalmente o paciente se interroga perplexo: “por que isso foi acontecer comigo, exatamente agora em que tudo na vida estava dando certo? Por que, jovem ainda, sou acometido de grave doença”? Tais questonamentos remetem a uma reflexão humilde sobre a condition humaine que é, em  todo o momento, exposta a riscos  e à vulnerabilidades inesperadas.

Quem é sadio sempre pode ficar doente. E toda doença remete à saúde que é o valor de referência maior. Mas não conseguimos saltar por cima de nossa sombra e não há como não acolher a vida assim como é: sadia e enferma, bem sucedida e fragilizada, ardendo por vida e tendo que aceitar eventuais doenças e, no limite, a própria morte. É nestes momentos em que os pacientes fazem profundas revisões de vida. Não se contentam apenas com as  explicações científicas (sempre necessárias), dadas pelo corpo médico mas anseiam por um sentido que surge a partir de um diálogo profundo com seu Self  ou da palavra sábia de um parente, de um sacerdote, de um pastor ou de uma pessoa espiritual. Resgatam, então, valores cotidianos que antes sequer percebiam, redefinem seu desenho  de vida e amadurecem. E acabam tendo paz.
Acompanhá-lo na grande travesia. Há um momento inevitável que todos, mesmo a pessoa mais idosa do mundo, devem morrer. É a lei da vida, sujeita à morte: uma travessia decisiva. Ela deve ser preparada por toda uma vida que se guiou por valores morais generosos, responsáveis e benfazejos.

Mas para a grande maioria, a morte é sofrida como um assalto e um sequestro, gerando sentimento de impotência.  E então dá-se conta de que, finalmente, deve se entregar.

A presença discreta, respeitosa de alguém, da enfermeira ou do enfermeiro ou do parente próximo ou da amiga, pegando-lhe a mão, susurrando-lhe palavras de conforto e de coragem, convidando-o a ir ao encontro da Luz e ao seio de Deus que é Pai e Mãe de bondade, podem fazer com que o moribundo saia da vida sereno e agradecido pela existência que viveu.

Sussurar-lhe ao ouvido, se possui uma referência religiosa, as palavras tão consoladoras de São João: Se teu coração te acusa, saiba que Deus é maior que teu coração (3,20). Pode entregar-se tranquilamente a Deus cujo coração é de puro amor e de misericórdia. Morrer é cair nos braços de Deus.
Aqui o cuidado se revela muito mais como arte que como  técnica e supõe no agente de saúde densidade de vida, sentido espiritual  e um olhar que vai para além da morte. Atingir este estágio é uma missão a que o enfermeiro e enfermeira e também os médicos e médicas devem buscar para serem plenamente servidores da vida. Para todos valem as sábias palavras: “A tragédia da vida não é a morte, mas aquilo que deixamos morrer dentro de nós enquanto vivemos”.

Leonardo Boff é autor de Vida para além da morte,  Vozes 2012.

sábado, 13 de julho de 2013

O Instituto Entrelaços se orgulha de seus parceiros e colaboradores.
E com muito prazer recebe Dra. Silvana Aquino na equipe de assistência as atividades clínicas.

A Dra. Silvana Aquino é Mestre em Sexologia e Especialista em Sexualidade Humana pela Universidade Gama Filho. Especialista em Psicologia Oncológica Professora de Ensino superior da Sociedade Educacional Fluminense e Psicóloga da Unidade de Cuidados Paliativos do INCA.

Agora, além de ministrar cursos no Instituto Entrelaços, ela também realizara atendimentos às segundas e sextas.

Seja bem vinda!

Instituto Entrelaços
Rua Sorocaba, nº 477, sala 202 - Botafogo
(21)2530-4137 e (21)7954-3131

segunda-feira, 8 de julho de 2013

A Família Enlutada : Sobrevivendo a perda de um filho





A Família Enlutada : Sobrevivendo a perda de um filho
Erika Pallottino



Uma das perdas mais difíceis, que aciona níveis de sofrimento nunca antes imaginados e provoca profundo desequilíbrio no sistema familiar, podendo provocar reações de luto complicado, é a morte de uma criança.

A morte de um filho envolve a perda dos sonhos e das esperanças dos pais. É como perder o futuro. De todas as perdas, a da criança, é a que produz mais efeitos diferenciais sobre a reação da família.


Walsh e McGoldrick (1998), afirmam que de todas as experiências humanas, a morte coloca os desafios mais dolorosos para as famílias. Especialmente, as crianças, desempenham papéis fundamentais na família e suas mortes perturbam todo o equilíbrio e sistema familiar.


O processo de luto, destaca Kovács (1992), evoca sentimentos fortes e, por vezes, ambivalentes necessitando de tempo e espaço para a sua elaboração. A ocorrência da perda de uma pessoa significativa tem uma potencialidade intensa de desorganização, as ações do cotidiano ficam tingidas por esta situação. E assim, com a morte de um filho, o potencial complicador do luto, fica ainda mais evidente ao risco psíquico.

O luto familiar não surge em seguida à morte do filho, mas tende a apresentar-se continuamente frente às perdas e dores inerentes ao tratamento oncológico. Um processo que acompanha a trilha do tratamento, angustiando, antecipando e vivendo, por vezes, na iminência da morte do filho


O luto, para a grande maioria das famílias, tem início no momento em que o diagnóstico é comunicado. Ao longo do tratamento são observadas reações de luto, tais como: sensação de entorpecimento, irritação, fadiga, descrença, períodos de apatia alternados com atividade intensa e agitação, entre outros.


A desorganização emocional do sistema familiar também é um sintoma comum. Muitos pais apresentam grande dificuldade em absorver as informações passadas pela equipe de cuidados. De forma ansiosa tentam entender o que se passa com o filho, porém, a dificuldade de concentração e o empobrecimento da atenção e foco faz com que no minuto seguinte, grande parte do que foi dito seja esquecido, podendo prejudicar a comunicação com os demais membros da família e, em alguns casos, recebendo a cobrança por notícias.


A fragilidade e vulnerabilidade emocional de um dos progenitores é ponto a ser considerado no trabalho com famílias enlutadas. O luto antecipatório familiar deve funcionar como um alerta sobre os complicadores do processo de luto. A percepção e atenção de como as perdas ao longo do tratamento estão sendo vividas antes da morte, a expressão de sentimentos ambivalentes e de culpa que permeiam o vínculo e o cuidado com a criança, são pontos fundamentais a serem considerados e cuidados, junto aos pais que se encontram com seus filhos em iminência de morte. A dor de quem sobrevive a uma perda tão significativa como a de um filho, pode ser insuportável, desestruturante e avassaladora para o funcionamento psíquico, sendo fundamental a atenção a todas as expressões e intensidades do pesar.


Importante considerar dentre os membros das famílias, os irmãos, os filhos sobreviventes. Estes são profundamente afetados pela perda e morte do irmão doente. Bowlby (2004), ressalta que grande parte das perturbações observadas entre os filhos sobreviventes resulta mais das modificações no comportamento dos pais com relação a eles do que de qualquer efeito direto que a morte pode ter exercido sobre as próprias crianças.

Pais enlutados apresentam dificuldades em seu processo de vinculação, disponibilidade afetiva e ambivalência no cuidado dos filhos saudáveis. Dependendo da idade que estes se encontram, profundos registros e marcas psíquicas se originarão. Um cuidado esvaziado, apático, sem tom amoroso, implica consequências emocionais futuras.

Pensando a família enquanto unidade de cuidado, apontamos as tradições e ritos familiares, próprios e específicos de cada configuração familiar, como potência elaborativa e de grande valia para os membros enlutados. O ritual autoriza o sofrimento, favorece e facilita a sua expressão, marca a vida de quem morreu, honrando sua história. A possibilidade de ritualizar ajuda a família na busca de sentido para a sua perda. O ritual, portanto, é promotor de equilíbrio interno.


Vale a ressalva que em famílias grandes ou pequenas, a perda nunca é coletiva, mas individual. Isso quer dizer que a perda de um filho ressoa de forma singular em cada progenitor, em cada irmão, em cada tio ou tio, em cada avô ou avó. Perde-se uma criança na subjetividade de cada membro da família. Essa criança ocupa um lugar único para cada um. Portanto, a expressão do luto, bem como a duração do processo, irá ocorrer a partir do rompimento do laço afetivo que existia em cada uma dessas relações. 


Hoje, acredita-se na orientação do trabalho do luto a partir da busca de reconstrução de significado. Falamos na possibilidade do encontro de sentido e de significado na vida do sobrevivente. Pensando à família enlutada, em sua reconfiguração, reordenação e readaptação sem o filho, faz-se mister a busca deste sentido. Seus membros, profundamente enlutados, terão que reconstruir uma identidade, idealmente, junto de pessoas significativas, a partir de um enfrentamento assimétrico, oscilante entre luto e dor e restauração e refazimento. Nesse vai e vem, entre dor e restauração, nesse contínuo de dinâmica subjetiva e afetiva, é possível ocorrer a construção de significado e elaboração do luto. Dessa forma e ao seu tempo, o trabalho de luto pode acontecer. A família pode ir se refazendo, apaziguando a ausência, transformando a dor em memória, tornando o amor e a saudade em laço continuado, em afeto permanente.




Referências Bibliográficas:



BOWLBY,J. Perda: tristeza e depressão. 3ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

KOVÁCS, M.J. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992.

WALSH,F,; MCGOLDRICK, M; Morte na família: sobrevivendo às perdas. Porto Alegre: ArtMed,1998;