A Família Enlutada :
Sobrevivendo a perda de um filho
Erika
Pallottino
Uma das perdas mais
difíceis, que aciona níveis de sofrimento nunca antes imaginados e provoca
profundo desequilíbrio no sistema familiar, podendo provocar reações de luto
complicado, é a morte de uma criança.
A morte de um filho
envolve a perda dos sonhos e das esperanças dos pais. É como perder o futuro.
De todas as perdas, a da criança, é a que produz mais efeitos diferenciais
sobre a reação da família.
Walsh e McGoldrick (1998),
afirmam que de todas as experiências humanas, a morte coloca os desafios mais
dolorosos para as famílias. Especialmente, as crianças, desempenham papéis
fundamentais na família e suas mortes perturbam todo o equilíbrio e sistema
familiar.
O processo de luto, destaca
Kovács (1992), evoca sentimentos fortes e, por vezes, ambivalentes necessitando
de tempo e espaço para a sua elaboração. A ocorrência da perda de uma pessoa
significativa tem uma potencialidade intensa de desorganização, as ações do
cotidiano ficam tingidas por esta situação. E assim, com a morte de um filho, o
potencial complicador do luto, fica ainda mais evidente ao risco psíquico.
O luto familiar não
surge em seguida à morte do filho, mas tende a apresentar-se continuamente
frente às perdas e dores inerentes ao tratamento oncológico. Um processo que
acompanha a trilha do tratamento, angustiando, antecipando e vivendo, por
vezes, na iminência da morte do filho
O luto, para a grande
maioria das famílias, tem início no momento em que o diagnóstico é comunicado.
Ao longo do tratamento são observadas reações de luto, tais como: sensação de
entorpecimento, irritação, fadiga, descrença, períodos de apatia alternados com
atividade intensa e agitação, entre outros.
A desorganização
emocional do sistema familiar também é um sintoma comum. Muitos pais apresentam
grande dificuldade em absorver as informações passadas pela equipe de cuidados.
De forma ansiosa tentam entender o que se passa com o filho, porém, a
dificuldade de concentração e o empobrecimento da atenção e foco faz com que no
minuto seguinte, grande parte do que foi dito seja esquecido, podendo
prejudicar a comunicação com os demais membros da família e, em alguns casos,
recebendo a cobrança por notícias.
A fragilidade e
vulnerabilidade emocional de um dos progenitores é ponto a ser considerado no
trabalho com famílias enlutadas. O luto antecipatório familiar deve funcionar
como um alerta sobre os complicadores do processo de luto. A percepção e
atenção de como as perdas ao longo do tratamento estão sendo vividas antes da
morte, a expressão de sentimentos ambivalentes e de culpa que permeiam o
vínculo e o cuidado com a criança, são pontos fundamentais a serem considerados
e cuidados, junto aos pais que se encontram com seus filhos em iminência de
morte. A dor de quem sobrevive a uma perda tão significativa como a de um
filho, pode ser insuportável, desestruturante e avassaladora para o
funcionamento psíquico, sendo fundamental a atenção a todas as expressões e
intensidades do pesar.
Importante considerar
dentre os membros das famílias, os irmãos, os filhos sobreviventes. Estes são
profundamente afetados pela perda e morte do irmão doente. Bowlby (2004),
ressalta que grande parte das perturbações observadas entre os filhos
sobreviventes resulta mais das modificações no comportamento dos pais com
relação a eles do que de qualquer efeito direto que a morte pode ter exercido
sobre as próprias crianças.
Pais enlutados
apresentam dificuldades em seu processo de vinculação, disponibilidade afetiva
e ambivalência no cuidado dos filhos saudáveis. Dependendo da idade que estes
se encontram, profundos registros e marcas psíquicas se originarão. Um cuidado
esvaziado, apático, sem tom amoroso, implica consequências emocionais futuras.
Pensando a família enquanto
unidade de cuidado, apontamos as tradições e ritos familiares, próprios e
específicos de cada configuração familiar, como potência elaborativa e de
grande valia para os membros enlutados. O ritual autoriza o sofrimento,
favorece e facilita a sua expressão, marca a vida de quem morreu, honrando sua
história. A possibilidade de ritualizar ajuda a família na busca de sentido
para a sua perda. O ritual, portanto, é promotor de equilíbrio interno.
Vale a ressalva que em
famílias grandes ou pequenas, a perda nunca é coletiva, mas individual. Isso
quer dizer que a perda de um filho ressoa de forma singular em cada progenitor,
em cada irmão, em cada tio ou tio, em cada avô ou avó. Perde-se uma criança na
subjetividade de cada membro da família. Essa criança ocupa um lugar único para
cada um. Portanto, a expressão do luto, bem como a duração do processo, irá
ocorrer a partir do rompimento do laço afetivo que existia em cada uma dessas
relações.
Hoje, acredita-se na
orientação do trabalho do luto a partir da busca de reconstrução de
significado. Falamos na possibilidade do encontro de sentido e de significado
na vida do sobrevivente. Pensando à família enlutada, em sua reconfiguração,
reordenação e readaptação sem o filho, faz-se mister a busca deste sentido.
Seus membros, profundamente enlutados, terão que reconstruir uma identidade,
idealmente, junto de pessoas significativas, a partir de um enfrentamento
assimétrico, oscilante entre luto e dor e restauração e refazimento. Nesse vai
e vem, entre dor e restauração, nesse contínuo de dinâmica subjetiva e afetiva,
é possível ocorrer a construção de significado e elaboração do luto. Dessa
forma e ao seu tempo, o trabalho de luto pode acontecer. A família pode ir se
refazendo, apaziguando a ausência, transformando a dor em memória, tornando o
amor e a saudade em laço continuado, em afeto permanente.
Referências Bibliográficas:
BOWLBY,J. Perda: tristeza e depressão. 3ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
KOVÁCS, M.J. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992.
WALSH,F,; MCGOLDRICK, M; Morte na família: sobrevivendo às
perdas. Porto Alegre: ArtMed,1998;
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