segunda-feira, 8 de julho de 2013

A Família Enlutada : Sobrevivendo a perda de um filho





A Família Enlutada : Sobrevivendo a perda de um filho
Erika Pallottino



Uma das perdas mais difíceis, que aciona níveis de sofrimento nunca antes imaginados e provoca profundo desequilíbrio no sistema familiar, podendo provocar reações de luto complicado, é a morte de uma criança.

A morte de um filho envolve a perda dos sonhos e das esperanças dos pais. É como perder o futuro. De todas as perdas, a da criança, é a que produz mais efeitos diferenciais sobre a reação da família.


Walsh e McGoldrick (1998), afirmam que de todas as experiências humanas, a morte coloca os desafios mais dolorosos para as famílias. Especialmente, as crianças, desempenham papéis fundamentais na família e suas mortes perturbam todo o equilíbrio e sistema familiar.


O processo de luto, destaca Kovács (1992), evoca sentimentos fortes e, por vezes, ambivalentes necessitando de tempo e espaço para a sua elaboração. A ocorrência da perda de uma pessoa significativa tem uma potencialidade intensa de desorganização, as ações do cotidiano ficam tingidas por esta situação. E assim, com a morte de um filho, o potencial complicador do luto, fica ainda mais evidente ao risco psíquico.

O luto familiar não surge em seguida à morte do filho, mas tende a apresentar-se continuamente frente às perdas e dores inerentes ao tratamento oncológico. Um processo que acompanha a trilha do tratamento, angustiando, antecipando e vivendo, por vezes, na iminência da morte do filho


O luto, para a grande maioria das famílias, tem início no momento em que o diagnóstico é comunicado. Ao longo do tratamento são observadas reações de luto, tais como: sensação de entorpecimento, irritação, fadiga, descrença, períodos de apatia alternados com atividade intensa e agitação, entre outros.


A desorganização emocional do sistema familiar também é um sintoma comum. Muitos pais apresentam grande dificuldade em absorver as informações passadas pela equipe de cuidados. De forma ansiosa tentam entender o que se passa com o filho, porém, a dificuldade de concentração e o empobrecimento da atenção e foco faz com que no minuto seguinte, grande parte do que foi dito seja esquecido, podendo prejudicar a comunicação com os demais membros da família e, em alguns casos, recebendo a cobrança por notícias.


A fragilidade e vulnerabilidade emocional de um dos progenitores é ponto a ser considerado no trabalho com famílias enlutadas. O luto antecipatório familiar deve funcionar como um alerta sobre os complicadores do processo de luto. A percepção e atenção de como as perdas ao longo do tratamento estão sendo vividas antes da morte, a expressão de sentimentos ambivalentes e de culpa que permeiam o vínculo e o cuidado com a criança, são pontos fundamentais a serem considerados e cuidados, junto aos pais que se encontram com seus filhos em iminência de morte. A dor de quem sobrevive a uma perda tão significativa como a de um filho, pode ser insuportável, desestruturante e avassaladora para o funcionamento psíquico, sendo fundamental a atenção a todas as expressões e intensidades do pesar.


Importante considerar dentre os membros das famílias, os irmãos, os filhos sobreviventes. Estes são profundamente afetados pela perda e morte do irmão doente. Bowlby (2004), ressalta que grande parte das perturbações observadas entre os filhos sobreviventes resulta mais das modificações no comportamento dos pais com relação a eles do que de qualquer efeito direto que a morte pode ter exercido sobre as próprias crianças.

Pais enlutados apresentam dificuldades em seu processo de vinculação, disponibilidade afetiva e ambivalência no cuidado dos filhos saudáveis. Dependendo da idade que estes se encontram, profundos registros e marcas psíquicas se originarão. Um cuidado esvaziado, apático, sem tom amoroso, implica consequências emocionais futuras.

Pensando a família enquanto unidade de cuidado, apontamos as tradições e ritos familiares, próprios e específicos de cada configuração familiar, como potência elaborativa e de grande valia para os membros enlutados. O ritual autoriza o sofrimento, favorece e facilita a sua expressão, marca a vida de quem morreu, honrando sua história. A possibilidade de ritualizar ajuda a família na busca de sentido para a sua perda. O ritual, portanto, é promotor de equilíbrio interno.


Vale a ressalva que em famílias grandes ou pequenas, a perda nunca é coletiva, mas individual. Isso quer dizer que a perda de um filho ressoa de forma singular em cada progenitor, em cada irmão, em cada tio ou tio, em cada avô ou avó. Perde-se uma criança na subjetividade de cada membro da família. Essa criança ocupa um lugar único para cada um. Portanto, a expressão do luto, bem como a duração do processo, irá ocorrer a partir do rompimento do laço afetivo que existia em cada uma dessas relações. 


Hoje, acredita-se na orientação do trabalho do luto a partir da busca de reconstrução de significado. Falamos na possibilidade do encontro de sentido e de significado na vida do sobrevivente. Pensando à família enlutada, em sua reconfiguração, reordenação e readaptação sem o filho, faz-se mister a busca deste sentido. Seus membros, profundamente enlutados, terão que reconstruir uma identidade, idealmente, junto de pessoas significativas, a partir de um enfrentamento assimétrico, oscilante entre luto e dor e restauração e refazimento. Nesse vai e vem, entre dor e restauração, nesse contínuo de dinâmica subjetiva e afetiva, é possível ocorrer a construção de significado e elaboração do luto. Dessa forma e ao seu tempo, o trabalho de luto pode acontecer. A família pode ir se refazendo, apaziguando a ausência, transformando a dor em memória, tornando o amor e a saudade em laço continuado, em afeto permanente.




Referências Bibliográficas:



BOWLBY,J. Perda: tristeza e depressão. 3ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

KOVÁCS, M.J. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992.

WALSH,F,; MCGOLDRICK, M; Morte na família: sobrevivendo às perdas. Porto Alegre: ArtMed,1998;


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