sábado, 27 de abril de 2013


"A solidão dos Moribundos" , livro de Norbert Elias, editado pela Jorge Zahar, edição de 2001. 
Esse livro é fantástico, especialmente, para quem ainda está na graduação e quer a indicação de um livro introdutório sobre os temas ligados aos cuidados de final de vida, finitude e morte.
Leitura gostosa, didática, informativa e escrita  brilhantemente pelo sociólogo Norbert Elias (1897-1990).
Comprem e estudem. Temos certeza que vão adorar!
Aqui vai uma prévia - só para dar um gostinho - do ponto 1 apresentado logo no início do livro. 

"Há varias maneiras de lidar com o fato de que todas as vidas, incluídas as das pessoas que amamos, têm um fim. O fim da vida humana, que chamamos de morte, pode ser mitologizado pela ideia de uma outra vida no Hades ou no Valhalla, no Inferno ou no Paraíso. Essa é a forma mais antiga e comum de os humanos enfrentarem a finitude da vida. Podemos tentar a ideia da morte afastando-a de nós tanto quanto possível - encobrindo e reprimindo a ideia indesejada - ou assumindo uma crença inabalável em nossa própria imortalidade - "os outros morrem, eu não." Há uma forte tendência nesse sentido nas sociedades avançadas de nossos dias. Finalmente, podemos encarar a morte como um fato de nossa existência; podemos ajustar nossas vidas, e particularmente nosso comportamento em relação às outras pessoas, à duração limitada de cada vida. Podemos considerar parte de nossa tarefa fazer com que o fim, a despedida dos seres humanos, quando chegar seja tão fácil e agradável quanto possível para os outros e para nós mesmos; e podemos nos colocar o problema de como realizar essa tarefa. Atualmente, essa é uma pergunta que só é feita de maneira clara por alguns médicos - no debate mais amplo da sociedade, a questão raramente se coloca.
     E isso não é só uma questão de fim eletivo da vida, do atestado de óbito e do caixão. Muitas pessoas morrem gradualmente; adoecem, envelhecem. As últimas horas são importantes, é claro. Mas muitas vezes a partida começa muito antes. A fragilidade dessas pessoas é muitas vezes suficiente para separar os que envelhecem dos vivos. Sua decadência as isola. Podem tornar-se menos sociáveis e seus sentimentos menos calorosos, sem que se extinga sua necessidade dos outros. Isso é o mais difícil - o isolamento tácito dos velhos e dos moribundos da comunidade dos vivos, o gradual esfriamento de suas relações com pessoas a que eram afeiçoadas, a separação em relação aos seres humanos em geral, tudo o que lhes dava sentido e segurança. Os anos de decadência são penosos não só para os que sofrem, mas também para os que são deixados só. O fato de que, sem que haja especial intenção, o isolamento precoce dos moribundos ocorra com mais frequência nas sociedade. É um testemunho das dificuldades que muitas pessoas têm em identificar-se com os velhos e moribundos.
     Sem dúvida, o espaço de identificação é mais amplo que em outras épocas. Não mais consideramos um entretenimento de domingo assistir a enforcamentos, esquartejamentos e suplícios na roda. Assistimos ao futebol, e não aos gladiadores na arena. Se comparados aos da Antiguidade, nossa identificação com outras pessoas e nosso compartilhamento de seus sofrimentos e morte aumentaram. Assistir a tigres e leões famintos devorando pessoas vivas pedaço a pedaço, ou a gladiadores, por astúcia e engano, mutuamente se ferindo e matando, dificilmente constituiria uma diversão para a qual nos prepararíamos com o mesmo prazer que os senadores ou o povo romano. Tudo indica que nenhum sentimento de identidade unia esses expectadores e aqueles que, na arena, lutavam por suas vidas. Como sabemos, os gladiadores saudavam o imperador ao entrar com as palavras "Morituri te salutant" (Os que vão morrer te saúdam). Porém, numa sociedade em que tivesse sido possível dizer isso, provavelmente não haveria gladiadores e imperadores. A possibilidade de se dizer isso aos dominadores - alguns dos quais hoje têm poder de vida e morte sobre um sem-número de seus semelhantes - requer uma desmitologização da morte mais ampla do que a que temos hoje, e uma consciência muito mais clara de que a espécie humana é uma comunidade de mortais e que que as pessoas necessitadas só podem esperar ajuda de outras pessoas. O problema social da morte é especialmente difícil de resolver porque os vivos acham difícil identificar-se com os moribundos.
        A morte é um problema dos vivos. Os mortos não têm problemas. Entre as muitas criaturas que morrem na Terra, a morte constituti um problema só para os seres humanos. Embora compartilhem o nascimento, a doença, a juventude, a maturidade e a velhice e a morte com os animais, apenas eles, dentre todos os vivos, sabem que morrerão; apenas eles podem prever seu próprio fim, estando cientes de que pode ocorrer a qualquer momento e tomando precauções especiais - como indivíduos e como grupos - para proteger-se contra a ameaça de aniquilação.
        Durante milênios essa foi uma função central de grupos humanos como tribos e Estados, permanecendo uma função importante até nossos dias. No entanto, entre as maiores ameaças aos humanos figuram os próprios humanos. Em nome do objetivo de se proteger da destruição, grupos de pessoas ameaçam outros grupos de pessoas de destruição. Desde os primeiros dias, sociedades formadas por seres humanos exibem as duas faces de Janus: pacificação para dentro, ameaça para fora. Também em outras espécies a importância da sobrevivência das sociedades encontrou expressão na formação de grupos e na adaptação dos indivíduos à vida comum como uma característica de sua existência. Mas, nesse caso, a adaptação à vida do grupo se baseia em formas geneticamente predeterminadas de conduta ou, na melhor das hipóteses, limita-se a pequenas variações aprendidas que alteram o comportamento inato. No caso dos seres humanos, o equilíbrio entre a adaptação aprendida e a não aprendida à vida em grupo foi revertido. Disposições inatas a uma vida com os outros requerem sua ativação pelo aprendizado - a disposição de falar, por exemplo, pelo aprendizado de uma língua. Os seres humanos não só podem, como devem aprender a regular sua conduta uns em relação aos outros em termos de limitações ou regras específicas à comunidade. Sem aprendizado, não são capazes de funcionar como indivíduos e membros do grupo. Em nenhuma outra espécie essa sintonia com a vida coletiva teve tão profunda influência sobre a forma e desenvolvimento do indivíduo como na espécie humana. Não só meios de comunicação ou padrões de coerção podem diferir de sociedade para sociedade, mas também a experiência da morte. Ela é variável e específica segundo os grupos; não importa quão natural e imutável possa parecer aos membros de cada sociedade particular: foi aprendida.
        Na verdade não é a morte, mas o conhecimento da morte que cria problemas para os seres humanos. Não devemos nos enganar: a mosca presa entre os dedos de uma pessoa luta tão convulsivamente quanto um ser humano entre as garras de um assassino, como se soubesse do perigo que corre. Mas os movimentos defensivos da mosca quando em perigo mortal são um dom não aprendido de sua espécie. Uma mãe macaca pode carregar sua cria morta durante certo tempo antes de largá-la em algum lugar e perdê-la. Nada sabe da morte, da de sua cria ou de sua própria. Os seres humanos sabem, e assim a morte se torna um problema para eles."


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